Na Suécia, moradias são um direito garantido por lei — mas, mesmo com um dos mercados mais regulados do mundo, conseguir um lar por lá não é tarefa fácil. Com baixa taxa de construção, altos preços, filas de espera por moradia e consumidores endividados, o setor vive uma crise crônica, como apontam os pesquisadores Lennart Welin e Louise Bildsten, da Lund University. Em seu estudo “O mercado imobiliário na Suécia: uma perspectiva histórica”, eles questionam: “O setor é tão ruim assim quanto dizem ou o que existe é um efeito dominó?”
Nesse cenário, iniciativas inusitadas surgem como resposta ao desafio. É o caso da multinacional sueca Electrolux, que decidiu investir na construção de um complexo sustentável na região de Stadshagen, nos arredores de Estocolmo. Batizado de Greenhouse Sthlm Development, o projeto terá 85 mil metros quadrados, dos quais 40 mil serão dedicados à construção de moradias. A obra será realizada em cinco etapas até 2034 e abrigará, além de residências, espaços voltados a outras empresas que desejem se instalar na região.
Ulrika Kagstrom, diretora do projeto, atua como uma verdadeira corretora ao apresentar os detalhes do empreendimento. Ela destaca os apartamentos equipados com eletrodomésticos da própria marca, o uso de madeira na construção e o jardim comunitário no rooftop. Ao final da apresentação, porém, faz um alerta: “A Electrolux não vai virar agência imobiliária”, afirma.
O prédio de sete andares terá 114 apartamentos com tamanhos que variam entre 28 m² e 65 m². Cada unidade custa em média R$ 1,5 milhão, e os primeiros moradores devem se mudar ainda este mês. “As vendas estão caminhando. Temos 40 unidades já negociadas”, informa Ulrika. Ela ressalta que todo o investimento é privado: “Não recebemos qualquer ajuda ou subsídio do governo. É iniciativa da Electrolux porque queremos atrair pessoas e outras empresas para esta região e valorizá-la.”
Apesar de inusitado para uma empresa do setor de eletrodomésticos, o projeto se insere em um ambiente onde pouco é comum no mercado imobiliário. Na Suécia, quem compra um apartamento não se torna, de fato, dono do imóvel. O comprador adquire uma porcentagem de uma associação de moradores que administra o prédio — o que significa que alugar o imóvel depende de autorização escrita da entidade, e apenas por um curto período. Somente quem é proprietário do prédio inteiro pode alugar livremente.
Estima-se que existam cerca de 300 associações administrando 950 mil apartamentos no país. Cada novo empreendimento costuma formar sua própria entidade para gerir os interesses dos moradores. Isso não se aplica a casas, que pertencem diretamente ao dono do terreno.
Outra peculiaridade do sistema sueco é o rígido controle de aluguéis. A legislação impede aumentos arbitrários e protege os locatários contra valores considerados abusivos. Se um aluguel for significativamente mais alto que outros da mesma região, a Justiça pode ser acionada para exigir redução ou ressarcimento de valores cobrados em excesso nos dois anos anteriores. A intenção é evitar a especulação imobiliária e proteger os inquilinos contra práticas exploratórias.
No entanto, críticos do sistema afirmam que o controle de preços inibe a oferta de moradias para alugar e acaba beneficiando famílias com maior poder aquisitivo, que conseguem os melhores imóveis. Enquanto isso, pessoas de menor renda são empurradas para fora das grandes cidades, como Estocolmo — justamente onde o déficit habitacional é mais severo. Das 290 cidades suecas, 255 relatam falta de moradias, e o tempo de espera nas filas de associações pode levar anos.
O impacto político dessa crise já foi sentido. Em 2001, o então primeiro-ministro Stefan Löfven perdeu um voto de confiança no parlamento e renunciou. A causa? Sua proposta de flexibilizar os preços de aluguel em imóveis recém-construídos. O tema é sensível, especialmente por ser considerado um direito constitucional.
Como resposta à situação, o atual primeiro-ministro Ulf Kristersson apresentou um plano para reformar o sistema de hipotecas e facilitar o acesso de jovens à compra do primeiro imóvel. Ele também aposta em juros mais baixos como estímulo à construção de novas casas fora dos centros urbanos — como o próprio projeto da Electrolux, a cerca de cinco quilômetros do centro de Estocolmo.
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Informações retiradas de Alex Sabino a Folha de São Paulo