A compra do imóvel próprio, tradicionalmente visto como símbolo de estabilidade e conquista no Brasil, tornou-se uma meta cada vez mais distante para os jovens. Preços em alta, juros elevados e um cenário econômico desafiador compõem um quadro que compromete o acesso à moradia, mesmo entre aqueles com renda estável.
Dados recentes da consultoria Ipsos indicam que 62% dos jovens brasileiros acreditam que adquirir um imóvel está mais difícil do que foi para as gerações anteriores. Ainda assim, o desejo persiste: 73% afirmam sonhar com a casa própria.
“O tema ganhou expressão muito relevante na vida dos cidadãos, normalmente, sendo o principal desejo dos brasileiros”, afirma Marcos Calliari, CEO da Ipsos no Brasil.
Inflação imobiliária supera a média global
Em 2024, a inflação do setor imobiliário no Brasil atingiu 7,7% — valor superior tanto à inflação geral quanto à média global, de 2,6%. Trata-se da maior elevação anual registrada no país desde 2013, com destaque para os grandes centros urbanos, onde a demanda é mais intensa.
De acordo com Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos da Construção do FGV IBRE, o aumento nos preços está ligado a diversos fatores. “Há uma economia aquecida, com alta nos custos da mão de obra e escassez de imóveis”, observa.
Ela destaca ainda o impacto do aumento no custo dos materiais de construção, impulsionado pelas disrupções nas cadeias de fornecimento durante a pandemia. “Isso ganhou muito mais relevância com relação às últimas décadas. Era muito mais fácil dispor de mão de obra no país”, afirma Castelo, reforçando que a tendência de alta nos preços tem base estrutural e pode se prolongar.
Juros altos encarecem o financiamento
Outro fator que dificulta o acesso à moradia é o custo do crédito. A taxa Selic, principal referência para os juros no país, chegou a 14,5% ao ano em março — um patamar significativamente mais elevado do que os 2% registrados durante a pandemia, em 2020.
O impacto é direto nas condições de financiamento. Para o advogado Héctor Augusto Côrrea, 29, que cogitou comprar um apartamento em São Paulo, os números não fecham: “O preço está absurdamente caro, incluindo em regiões que costumam ser mais acessíveis, como no Centro, beirando R$ 500 a R$ 600 mil”.
Além do preço elevado, ele destaca o peso dos juros. “Se você não tiver uma grande soma para dar como entrada, basicamente pagará duas ou três vezes o valor do imóvel no futuro. Isso não torna atrativo comprar hoje”, pontua.
Segundo a Ipsos, 76% dos entrevistados que vivem de aluguel gostariam de adquirir um imóvel, mas 36% acreditam que não conseguirão realizar esse desejo devido aos custos envolvidos.
Côrrea não abandonou completamente a ideia, mas mudou a estratégia. “Ainda tenho planos de comprar, mas certamente não será algo de curto prazo”, projeta. Ele buscou uma consultoria financeira e pretende reunir recursos para dar entrada em um imóvel dentro de cinco anos.
Comportamento e expectativas se transformam
O adiamento da compra do primeiro imóvel também tem provocado mudanças de comportamento entre os jovens brasileiros. Um exemplo é a permanência prolongada na casa dos pais, fenômeno já observado há décadas na Europa e que ganha força no Brasil.
“Isso está se tornando mais comum, diante das dificuldades impostas pelo mercado”, analisa Calliari, que também aponta o papel das redes sociais na formação dessa percepção coletiva. “Estamos convencidos de que as ferramentas alternativas de comunicação, como os memes, possuem impacto”, afirma.
Essa percepção é frequentemente alimentada por comparações geracionais. “Na década de 90, os meus pais já estavam construindo em um terreno aos seus 30 anos, o que seria impensável para mim hoje, mesmo que estivesse casado”, comenta Côrrea.
Ana Maria Castelo reconhece que em determinados momentos o acesso à moradia foi mais simples para parcelas da população, mas faz um contraponto: “Famílias com melhores condições conseguiam adquirir mais imóveis, mas era uma parcela pequena que usufruía disso. Hoje, existem financiamentos que não existiam antes, então as faixas mais baixas de renda conseguem ter melhor acesso”, explica.
Políticas públicas e instrumentos urbanos
De acordo com a Ipsos, 52% dos brasileiros apoiam que o governo construa novas moradias, enquanto 20% consideram que não há muito que possa ser feito.
Entre as ações em andamento, destaca-se o programa Minha Casa Minha Vida, que oferece financiamento com recursos do FGTS a juros subsidiados. Neste ano, o governo federal ampliou o acesso ao programa para famílias com renda mensal de até R$ 12 mil. A nova etapa prevê prazos de pagamento de até 35 anos e juros nominais de 10% ao ano — inferiores aos praticados pelo mercado — com a expectativa de beneficiar cerca de 120 mil famílias em 2025.
Além do crédito, medidas urbanísticas têm ganhado espaço no debate sobre moradia. Cidades brasileiras vêm aplicando planos diretores que direcionam áreas centrais para projetos de habitação de interesse social. Apesar de denúncias envolvendo desvios de finalidade, Castelo vê nessas políticas instrumentos importantes para tornar a moradia mais acessível.
Um desafio que ultrapassa fronteiras
A dificuldade para adquirir imóveis não é exclusividade brasileira. Segundo o relatório anual da consultoria Knight Frank, que avaliou 55 economias em 2024, o Brasil aparece na 15ª posição entre os países com maior alta nos preços.
Mercados como Portugal, Holanda, Colômbia e México também enfrentam desafios semelhantes, refletindo um fenômeno global. De acordo com a Ipsos, em nenhum dos 29 países avaliados a maioria da população está satisfeita com a forma como os governos lidam com a questão habitacional. Em média, 52% acreditam que seus países estão no caminho errado nesse aspecto.
Na tentativa de conter a valorização, países como Espanha e Canadá vêm impondo restrições à compra de imóveis por estrangeiros. Em paralelo, várias cidades ao redor do mundo têm limitado o uso de plataformas de aluguel de curta duração, vistas como vilãs da escalada dos preços — com efeitos ainda limitados.
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Informações retiradas de IstoÉDinheiro