A escalada da taxa Selic desde 2021 redesenhou o perfil geográfico e socioeconômico de quem consegue financiar um imóvel no Brasil, impondo desafios ao setor imobiliário e exigindo reposicionamentos nas estratégias públicas e privadas.
Com a elevação dos juros, o financiamento deixou de ser uma opção para milhões de brasileiros. O impacto é direto: um imóvel que cabia no bolso de parte da população em 2021 tornou-se inacessível em 2025. Um exemplo prático ajuda a ilustrar: em 2021, com a Selic a 5,5% e os juros médios de financiamento em 8% ao ano, um imóvel de R$ 900 mil na planta em São Paulo poderia ser financiado com parcelas de R$ 3.966. Isso exigia uma renda mensal de cerca de R$ 13.220.
“Com os juros subindo para uma média de 12% ao ano, a parcela inicial desse mesmo financiamento saltou para R$ 5.425, exigindo uma renda de R$ 18.086”, aponta o levantamento do Instituto Cidades Responsivas. “O mesmo imóvel, para o mesmo comprador, se tornou inacessível apenas porque o custo do dinheiro mudou”, acrescenta.
O impacto não foi homogêneo entre as cidades. Belém, por exemplo, teve a maior queda proporcional de pessoas aptas a financiar, passando de 7,5% para 3,5%. Já São Paulo registrou a maior exclusão em números absolutos: das 1,25 milhão de pessoas que poderiam financiar em 2021, 565 mil ficaram de fora do mercado. Porto Alegre teve a maior queda relativa, com exclusão de 6,5% da população, embora ainda mantenha o maior percentual de pessoas aptas (9,99%), seguida por Recife (8,06%).
Mas esse dado não representa necessariamente robustez de mercado. “Porto Alegre e Recife tiveram queda populacional na última década, o que reduziu a demanda e pressionou os preços para baixo”, explica o estudo. Isso ajuda a entender por que ainda há espaço para financiamento nessas praças, apesar do crédito mais caro.
O financiamento habitacional no Brasil depende majoritariamente do SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo), que utiliza recursos da caderneta de poupança. Com a alta da Selic, o crédito encarece — mesmo que a correlação entre a taxa básica e os juros imobiliários não seja exata, a direção é inevitável.
Além disso, o funding do sistema vem encolhendo. Desde 2022, a poupança registra mais saques do que depósitos, com os investidores migrando para produtos mais rentáveis. “O que antes era uma fonte estável de recursos virou um gargalo. Os bancos têm menos para emprestar — e fazem isso com mais cautela”, afirma o estudo.
Essa dinâmica afeta diretamente as incorporadoras. A venda garantida na planta passou a enfrentar distratos e maior necessidade de financiamento direto ao cliente. Em resposta, o setor tem buscado alternativas fora do sistema bancário tradicional, como FIDCs, CRIs e vendas com recebíveis pulverizados.
Do lado do governo, a resposta veio com a criação da Faixa 4 do Minha Casa Minha Vida, voltada para imóveis de até R$ 500 mil. O programa oferece financiamento com juros de até 10,5% ao ano — abaixo das taxas praticadas no mercado.
“A medida tenta resgatar justamente o comprador que desapareceu: aquele que não se encaixa no MCMV tradicional, mas também não consegue mais financiar um imóvel de R$ 400 mil a R$ 500 mil no mercado privado”, destaca o levantamento.
Diante desse novo cenário, tanto incorporadoras quanto agentes públicos precisam se adaptar. O acesso ao crédito virou um jogo de inteligência e curadoria. “Encontrar o credor certo, com o produto certo, para o momento certo do projeto, tornou-se parte central da estratégia de capital”, conclui o estudo.
Nesse ambiente, decisões sobre produto e viabilidade não são mais uma questão técnica — são fator de sobrevivência.
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Informações retiradas de Rodrigo Rocha ao Metro Quadrado